quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

O Mundo em cinco versos



 
Vermeer
Enquanto essa mulher do Rijksmuseum
com essa calma e concentração pintadas
continuar a verter, dia após dia,
leite da jarra para a taça
não merecerá o Mundo
o fim do mundo.

Wislawa Szymborska
Tenho estado doente, por isso passo mais tempo no sofá. Há dias, deparei com um documentário na 2 sobre Wislawa Szymborska. Eu conhecia a senhora, pois recebo (sim, recebo) periodicamente poemas dela, criteriosamente escolhidos. Aprecio-os por muitos e variados motivos, mas destaco a simplicidade, a normalidade com que diz as coisas mais profundas. O cerne, não no sentido metafórico, mas no sentido literal. Ver a sua simplicidade como pessoa é tocante (espero que a Raquel nunca venha a ler este texto, ela que embirra "a valer" que eu diga, ou escreva, ou até sinta estas coisas). Que pena tenho de não ter escrito que este documentário ia acontecer...
 
Chamava-se "A vida é suporável. Às vezes..." e a sinopse, intitulada Um retrato invertido de Wislawa Szymborska, rezava assim:

«Wislawa Szymborska foi uma grande figura da poesia mundial, adorada por Woody Allen e Umberto Eco. Vencedora do prémio Nobel da Literatura em 1996, não aprecia entrevistas nem aparições públicas e considera quase uma tortura todas as ações públicas de promoção aos seus próprios livros. Evita os holofotes e só se sente confortável num pequeno círculo de amigos, afirmando que tudo o que há para saber sobre ela, está escrito nos seus poemas. Foi um enorme desafio fazer este filme sobre Wislawa Szymborska e tentar mostrar a beleza da sua poesia, apesar da sua aversão pelas câmaras.
Um documentário que é uma justa homenagem a esta grande poetisa polaca num retrato que nos mostra uma mulher modesta, sábia e com um fantástico sentido de humor.»
Quem sabe ele não fica disponível no excelente portal Ensina, de que a Ana Paula e a Arminda me falaram?
 
"
cc

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

A Custódia, a Laurentina, o Luís e o Manuel

Na penúltima Comunidade de leitores, em que se debateu a novela E se for rapariga chama-se Custódia, de Luís de Sttau Monteiro, a Laurentina leu-nos o seguinte texto. Estava há muito prometido que, "com a devida vénia", o publicaria aqui. Ei-lo, então:

«Sinopse

Que circunstâncias levam dois homens a revelarem o que de mais íntimo têm em si, que circunstâncias determinam que dois homens procurem ultrapassar os seus medos, procurarem libertar-se da solidão que os oprime...?

O Mais Velho e o Mais Novo são dois homens que, numa noite na prisão revivem memórias num diálogo acompanhado pela noite e pela solidão.

Comentário:

 “A derrota, pensou o mais novo, seria aceitável se deixasse um homem sem futuro – o futuro constrói-se, falseia-se – mas deixa um homem sem passado.”

Falecido em 1993 com sessenta e sete anos e tendo sido perseguido pela censura da ditadura salazarista, Sttau Monteiro escreveu pouco. Foi essencialmente dramaturgo, tendo como obra-prima essa magnífica peça de teatro, Felizmente Há Luar. No que respeita à prosa de ficção escreveu e publicou apenas quatro obras, sendo uma delas, de 1966, este E Se For Rapariga Chama-se Custódia.

Trata-se de um relato impressionante de uma conversa entre dois homens, na prisão. Um diálogo que é confissão, desabafo, libertação.

É na prisão que estes homens encontram a paz suficiente para pensar e conversar; no campo o trabalho não lhes deixa tempo para tais devaneios. Mas aqui, entre quatro paredes, o pensamento acarreta a solidão; é por isso que a noite cai sobre eles.

O tom poético da escrita de Sttau Monteiro é encantador para quem lê e reforça o ambiente de doce solidão que os envolve. Porque só nessa solidão podem vir ao de cima os sentimentos.

O quadro é sóbrio e cheio de intensidade dramática; é uma espécie de microcosmos desse universo fascista castrador, aterrorizador, numa realidade de opressão escondida, velada, sofrida na sombra. É neste quadro sombrio e ao mesmo tempo poético que vai emergindo um amor, primeiro nebuloso depois triunfal por Custódia.

A prosa de Sttau Monteiro é também expressão de um profundo humanismo na forma como os homens confessam as suas fraquezas e limitações.

E o valor da solidariedade: Um homem não vive só como um chaparro velho num montado: basta-lhe estender a mão.

Custódia é muito mais que memória; é sonho, futuro e… liberdade. Mas é também memória; uma memória avassaladora, por vezes doentia, perante a qual o discurso de desabafo do “mais velho” funciona como uma catarse e, ao mesmo, redenção de um passado doloroso. No entanto, nas memórias do mais velho mistura-se a dor com a esperança. E há-de ser com esperança que o livro há-de terminar, porque como escrevera Manuel Alegre um ano antes, Mesmo na noite mais triste / em tempo de servidão / há sempre alguém que resiste / há sempre alguém que diz não.»

In: http://aminhaestante.blogspot.pt/2013/09/e-se-for-rapariga-chama-se-custodia.html

sábado, 21 de setembro de 2013

Dorcas Gustine

As pessoas da vila não gostavam de mim,
porque eu dizia sempre o que pensava
e também porque atingia abertamente, com protestos,
aqueles que me atacavam, sem ocultar a mágoa
ou alimentar o rancor.
Louva-se muito o acto desse rapaz espartano
que escondeu sob a sua túnica um lobo,
deixando, sem um único lamento, que este o devorasse.
Eu penso que há mais valentia em agarrar o lobo
e combatê-lo abertamente, mesmo em plena rua,
por entre a poeira levantada e os uivos de dor.
A língua pode ser desordeira,
mas o silêncio envenena a alma.
Quem quiser, que me censure ─ eu estou satisfeito.


edgar lee masters
spoon river
tradução josé miguel silva
Relógio d´água
2003
 

domingo, 8 de setembro de 2013

Elogio da simplicidade

Aprecio muito o trabalho de Duarte Belo, que apenas conhecia pelas obras associadas a Ruy Belo. Porém, foi um livro que nada tem a ver com este poeta que me assombrou estas férias. Escrevo "assombrou" depois de ter escrito, e eliminado, "apaixonou". Também poderia ter escrito "fascinou" ou, melhor ainda, "possuiu". O problema com este livro, que considero superlativo, é que estas palavras o traem. Como posso usar palavras que engrandecem, como "superlativo", para falar de um livro cuja qualidade resulta da ausência de empolamento?
 
 
 
Em pequena,  ouvia chamar à pastelaria Santa Clara de Vila do Conde "os velhinhos" (perdão, perdão). Lembro-me da cara do senhor, mas esqueci a de Olívia. Que pena tenho.
Recordo-me, como só as crianças conseguem recordar, da cal, do balcão, das latas, do cheiro. Em criança gostava sem me questionar. Hoje, gosto porque gosto e também porque representa tudo aquilo que este país parece querer obliterar, omitir, esquecer. Hoje, estabelecimentos deste tipo quase desapareceram, substituídos por projectos falsamente opulentos, com muita madeira, vidro, mármore, focos, tetos falsos. Há intervenções que respeitam a atmosfera humilde e provinciana das lojas e dos restaurantes (não falo do "mercado nostalgia", que é outra história), mas são poucas - e talvez pouco apreciadas.
Talvez fosse mais fácil falar de Olívia e Joaquim. Doces de Santa Clara em Vila do Conde dizendo o que o livro não é. Tendo receitas da pastelaria, não é um livro de cozinha. Tendo (óptimas) imagens da casa e do material usado por Olívia e Joaquim, não é um livro de fotografia. Tendo parte da história de Olívia e Joaquim, não é um memorial familiar. Tendo um texto que descreve pormenorizadamente a configuração dos espaços, não é um livro de arquitectura. Tendo um epílogo que evita escrupulosamente qualquer tentação literária, constituiu, para mim, um "achamento" literário.
 
Não sabia que Duarte Belo tinha um blogue. Agora, graças a este livro, sei que tem. Deixo-vos o endereço e as fotografias deste livro que nele figuram.
 
 
Lamento não ser capaz de transmitir a emoção, simultaneamente estética, literária e pessoal que Olívia e Joaquim me provocou. As marcas do uso nos utensílios e na casa, as rachas nas paredes, o casaco picado, as cobertas, as folhas no jardim: sinais, vestígios da vida tal como ela é (perdoem-me o lugar-comum). Begónias: lembro-me de um tempo em que as plantas de interior eram begónias e avencas.
Apenas entrevemos a vida, o trabalho e o pensamento de Olívia e Joaquim. Sabemos que Olívia, a avó de Duarte Belo, dizia "O trabalho quer amor". Mas, neste livro atípico, contra a corrente, um manifesto (que não o é) contra a atitude "photoshop" que extravasa as meras imagens, não há fotografias directas de Olívia e Joaquim. Talvez - talvez - seja deles o retrato de casamento que está pendurado numa das paredes.
 
 Eu, por mim, queria escrever "Emília e Sebastião" e "Eugénia e Cipriano".

domingo, 9 de junho de 2013

Poda de árvores e arbustos de frutos

Cheguei há pouco a casa da Paulinha e encontrei, em cima da mesa, material acerca da poda de árvores e arbustos de frutos. Pego nos papéis de uma formação que a Paulinha fez, orientada por José Pedro R. C. Fernandes e o que leio, logo na página dois? "Uma árvore ou arbusto situados num meio adequado e ao qual se tenham adaptado, que não tenham estado sujeitos a restrições na sua expansão aérea ou subterrânea e que não apresentem sinais de declínio ou de ataque de parasitas, não têm necessidade de ser podados, para além de qualquer operação de manutenção. Um pouco adiante, lê-se: "As árvores e arbustos são seres vivos, pelo que a supressão de um ramo funcional corresponde a um traumatismo." Eu, que não sou da área, percebo isso. O que eu não percebo é o que não percebem as pessoas que fazem podas camarárias em Braga e Vila Verde - e os respectivos chefes.  

sexta-feira, 7 de junho de 2013

"O homem que plantava árvores"

A minha ignorância não tem limites. Quando, na semana passada, o E. me deu O homem que plantava árvores, de Jean Giono, foi uma surpresa e um deslumbramento. Além de ser uma história muito bem contada (apresentada como verdadeira), tem tudo a ver com aquilo em que eu acredito.
Estou aqui a olhar para este texto e tanto a minha mente como a minhas mãos se recusam a continuar. Contar a história é atraiçoá-la. O conto é tão depurado, tão simples, que

a. não se justifica;
b. o meu reconto não lhe pode fazer justiça e
c. pode impedir algum leitor de pegar no livro e lê-lo.

Só posso suplicar à Margarida que compre muitos exemplares, para que possamos lê-los nas aulas. Só posso espalhar a mensagem de Jean Giono, e seguir o exemplo de Elzéard Bouffier. De agora em diante, um dos meus heróis.

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Coisas

COISAS
 
Pratos de faiança, usados,
De onde o branco se escapa,
Viestes novos
Para nossa casa.

Aprendemos imenso
Desde esse tempo

Guillevic

sexta-feira, 31 de maio de 2013

Aquilino Ribeiro

Às vezes sou preguiçosa. Na segunda-feira comemoraram-se (tenho sempre dificuldade em conjugar este verbo, algo jubilatório, com a palavra morte, mas enfim...) cinquenta anos da morte deste escritor português. Deixei pairar o silêncio sobre essa data, quando, na verdade, gosto muito de Aquilino, em particular de A casa grande de Romarigães. Ainda hoje me lembro do fascínio com que, aos quinze ou dezasseis anos, li
 
«A  bolota taluda ficara ali muito quieta, muito bem refastelada em virtude do próprio peso, enterrada que nem pelouro de batalha depois de passarem carros e carretas. Que fazer senão deitar-se a dormir?! Dormiu uma hora ou uma vida inteira, quem sabe?! Um laparoto veio lá de cascos de rolha, rapou a terra, fez um toural, aliviou-se, e ela ficou por baixo, sufocada sem poder respirar, em plena escuridão. Estava no fim do fim? Um belisco, e do seu flanco saiu como uma flecha. Era de luz ou de vida? Era uma fonte ou antes um cântico de ave, de água corrente, de vagem a estalar com o sol (... )? Era tudo isto, encarnado no fogo incomburente que lhe lavrava no flanco, verbo que acabou por irradiar do próprio mistério do seu ser.
Do pinhão, que um pé-de-vento arrancou da pinha-mãe, e da bolota, que a ave deixou cair no solo, repetido o acto mil vezes, gerou-se a floresta.»
 
Nunca o adjectivo telúrico fez tanto sentido...
 
 
De acordo com o site do Instituto Camões, de onde extraí a citação,
 
Aquilino Ribeiro é «um dos romancistas mais fecundos da primeira metade deste século. Inicia a sua obra em 1913 com os contos de Jardim das Tormentas e com o romance A Via Sinuosa, 1918, e mantém a qualidade literária na maioria dos seus textos, publicados com regularidade e êxito junto do público e da crítica.
Andam Faunos pelos Bosques, 1926, A Casa Grande de Romarigães, 1957, O Malhadinhas e Quando os Lobos Uivam, 1958, representam tendências constantes da sua ficção: um regionalismo que é apego à terra campesina e às suas gentes, sem perder universalidade nos seus caracteres e descrições; uma ironia terna e complacente perante os vícios humanos comuns; uma crítica violenta da opressão política e do fanatismo ideológico, uma atenção inebriada ao pulsar do torrão campestre, tanto como à vibração sensual do corpo no ser humano.» (http://cvc.instituto-camoes.pt/literatura/aquilino.htm, consultado em 29/5/2013)

segunda-feira, 27 de maio de 2013

Um "Pessoal e transmissível" superlativo


Ouço rádio enquanto conduzo e enquanto cozinho. Sou mais sábia (mais concretamente: menos ignorante) graças à Antena 2, à TSF e à Antena 1. De vez em quando falo-lhes da "Cena do ódio" ou do Pedro Malaquias. Também poderia falar de Luís Caetano e da "Força das coisas". Não falo do "Governo sombra" (mas gosto de ouvir), e tenho uma pena imensa de que a programação da Antena 2 até às 10h seja... "pessoal e irrepetível". Também gosto de um programa de jazz que passa na Antena 2 a partir das 20h e estou a ser injusta, mas só ouço o que posso.

Agora o que eu gostaria de partilhar com todos é a emissão de 21 de maio de 2013 do "Pessoal e Transmissível", em que Carlos Vaz Marques entrevistou  Rosa Pomar  a propósito da publicação do seu livro Malhas portuguesas. Gostei de tudo, mas absolutamente de tudo, o que Rosa Pomar disse. Até daquilo que pode parecer lateral, como a sua observação acerca das pronúncias. Logo que possa, vou consultar o seu blogue (aervilhacorderosa.com).

http://farm9.staticflickr.com/8369/8552643900_9115008541.jpg
 

Comunidade de leitores da ESVV

http://farm6.static.flickr.com/5299/5486812836_f513b4b5a0.jpg


Na sexta-feira, mais uma sessão da Comunidade de leitores. O livro escolhido foi Mr. Pip, de Lloyd Jones. Já o tinha lido há muito tempo e aproveitei para ouvir (e ver, porque a Isabel Leite, numa alusão ao protagonista masculino da obra, apareceu de nariz vermelho). A Arminda Fernandes fez uma contextualização histórica que, entre muitas coisas, me fez tomar consciência de que a Papua Nova Guiné foi descoberta por um português. Além disso, trata-se de uma daquelas muitas zonas do planeta que se tornam atractivas para pessoas que querem enriquecer à custa dos recursos do planeta e sem querer saber do bem estar dos autóctones. Achámos muito curiosa a circunstância de a guerra civil ter começado com a falta de pagamento aos funcionários públicos...
Várias pessoas referiram-se ao facto de Mr. Watts ser, de alguma forma, um professor (mas também um actor), e a Helena Balreira disse-nos que está mesmo, mesmo a sair o filme Grandes esperanças, baseado na obra de Charles Dickens que muitas de nós tínhamos lido em jovens e configura a trama narrativa de Mr. Pip. Falou-se bastante acerca do binómio ensino-literatura e, fatalmente, fomos parar ao que nos preocupa: como motivar os alunos, nós, que não somos heroínas de romances?! Enfim, lá nos consolámos com os maravilhosos montículos de chocolate da Beatriz Barbosa...

segunda-feira, 20 de maio de 2013

Livros, incontáveis livros II...

Livros, incontáveis livros I...

Marc Giai-Miniet é um artista francês cuja página pode ser visitada em. A devida vénia é para a revista "Somos livros", onde vi reproduzidas algumas destas obras:

sábado, 18 de maio de 2013

Um encaixe narrativo de "Mel", de Ian McEwan

Eis parte do "reconto" de uma das histórias de Tom Haley, narrada (hmmm...) por Serena Frome:

 
"Sebastien Morel é professor de Francês numa grande escola perto de Tufnell Park, no Norte de Londres. É casado com Monica, têm dois filhos, uma rapariga de sete anos e um rapaz de quatro, e moram numa casa alugada perto de Finsbury Park. O trabalho de Sebastien é duro, inútil e mal pago, os alunos são insolentes e indisciplinados. Por vezes, passa o dia inteiro a tentar manter a ordem na aula  e a distribuir castigos em que não acredita. Maravilha-se com a irrelevância do conhecimento do francês rudimentar para as vidas daquelas crianças. Queria gostar delas, mas achava detestáveis a sua ignorância e agressividade e a maneira como humilhavam e intimidavam algum colega que ousasse mostrar interesse em aprender. Desta maneira não progrediam. Quase todos eles vão deixar a escola logo que possam e arranjar empregos não-qualificados, engravidar ou viver do subsídio de desemprego. Quer ajudá-los. Umas vezes sente pena deles, outras vezes esforça-se por disfarçar o desprezo que sente por eles." (p. 184)
 
(O narrador põe em itálico as citações ipsis verbis do conto de Haley. A obra, publicada pela Gradiva, é traduzida por Ana Falcão Bastos)
 
http://treharrisdistrict.tech-hosts.co.uk/cutenews/data/upimages/qy_school.jpg

sexta-feira, 17 de maio de 2013

Nuno Júdice, uma seleção da Ana Paula Matos


Lusofonia

rapariga: s.f., fem. de rapaz; mulher nova; moça; menina; (Brasil), meretriz.

Escrevo um poema sobre a rapariga que está sentada
no café, em frente da chávena do café, enquanto
alisa os cabelos com a mão. Mas não posso escrever este
poema sobre essa rapariga porque, no brasil, a palavra
rapariga não quer dizer o que ela diz em portugal. Então,
terei de escrever a mulher nova do café, a jovem do café,
a menina do café, para que a reputação da pobre rapariga
que alisa os cabelos com a mão, num café de lisboa, não
fique estragada para sempre quando este poema atravessar
o atlântico para desembarcar no rio de Janeiro. E isto tudo
sem pensar em áfrica, porque aí lá terei
de escrever sobre a moça do café, para
evitar o tom demasiado continental da rapariga, que é
uma palavra que já me está a pôr com dores
de cabeça até porque, no fundo, a única coisa que eu queria
era escrever um poema sobre a rapariga
do café. A solução, então, é mudar de café, e limitar-me a
escrever um poema sobre aquele café onde nenhuma rapariga se
pode sentar à mesa porque só servem cafés ao balcão.
...
In A Matéria do Poema, Publicações Dom Quixote, Lisboa

Nuno Júdice vence Prémio Rainha Sofia de poesia Ibero-americana

 
http://www.infopedia.pt/mostra_imagem.jsp?recid=12331
 
 
Texto de apresentação da responsabilidade da editora Dom Quixote:
 
"O poeta Nuno Júdice, pelo conjunto da sua obra, publicada pela Dom Quixote, acaba de ser anunciado vencedor da XXII Edição do Prémio Rainha Sofia de Poesia Ibero-americana.

O Prémio, atribuído anualmente, e que em 2003 distinguiu Sophia de Mello Breyner Andresen, é concedido pelo Património Nacional e pela Universidade de Salamanca, sendo considerado o mais prestigiado deste género no universo Ibero-americano.

Constituído por 18 personalidades ibero-americanas da área da filologia, da literatura e do ensaio literário, entre eles, José Rodriguez-Spiteri Palazuelo, Presidente do Património Nacional, Daniel Hernández Ruipérez, Reitor da Universidade de Salamanca, José Manuel Blecua Perdices, da Real Academia Espanhola, e Víctor García da la Concha, Director do Instituto Cervantes, o júri decidiu, assim, consagrar a trajectória de Nuno Júdice, poeta, ensaísta e ficcionista.

Nuno Júdice, de quem a Dom Quixote publicou, no passado mês de Fevereiro, a novela A Implosão, já foi galardoado com vários prémios literários, nomeadamente o Prémio Pen Clube, em 1985, o Prémio Dom Dinis, em 1990, o Prémio da Associação Portuguesa de Escritores, em 1995, e o Prémio Fernando Namora, em 2004.

Nuno Júdice nasceu na Mexilhoeira Grande, Algarve, em 1949. Formou-se em Filologia Românica pela Universidade Clássica de Lisboa. É professor associado da Universidade Nova de Lisboa, onde se doutorou em 1989. Entre 1997 e 2004 desempenhou as funções de Conselheiro Cultural e Director do Instituto Camões em Paris. Tem publicado estudos sobre teoria da literatura e literatura portuguesa. Publicou o seu primeiro livro de poesia em 1972. Tem livros traduzidos em várias línguas, destacando-se Espanha, onde tem uma antologia na colecção «Visor» de poesia, e França, onde está publicado na colecção Poésie/Gallimard. Dirigiu até 1999 a revista Tabacaria da Casa Fernando Pessoa. Em 2009 assumiu a direcção da revista Colóquio/Letras da Fundação Calouste Gulbenkian."

"Mel", de Ian McEwan

Agora, sim, acabei de ler Mel. Lembram-se que queria um livro que não me obrigasse a pensar muito? Não tive lá muita pontaria, pois trata-se de uma obra intrincada, cheia de encaixes narrativos, apontando para géneros literários distintos, com reviravoltas inesperadas, estratégias deceptivas e um surpreendente, e engenhoso, final (simultaneamente aberto e feliz). Eu explico-me: temos uma bela protagonista, que faz a sua aprendizagem sentimental e vivencial e acaba por ingressar no MI5 (serviços de informação ingleses) como secretária/arquivista. Embora seja formada em Matemática por Cambridge, Serena passa os seus tempos livres a ler romances. Por isso, e no cenário da guerra fria, os seus superiores incumbem-lhe a tarefa de financiar um romancista emergente, cuja produção literária deverá influenciar. Se bem percebi (eu estava debilitada, lembram-se?), o MI5 considerava os intelectuais perigosos comunistas, capazes de influenciar os seus leitores. Assim, a admiração juvenil de Serena pela obra de Alexander Soljenitsin tornava-a muito recomendável para desempenhar esta tarefa. Porém, a jovem é, antes de tudo, uma leitora omnívora que, ao preparar-se para abordar Tom Haley, fica tão fascinada que nos conta, em encaixes sucessivos, os contos do escritor...
 
http://cdni.condenast.co.uk/262x393/s_v/SweetTooth_GQ_12Sep12_pr_b_262x393.jpg

segunda-feira, 13 de maio de 2013

Ler jornais é saber mais

Como ia ter um "repouso forçado" entre quinta e sexta-feira, resolvi requisitar um livro da Biblioteca. Um livro que me interessasse, mas não me fizesse pensar muito. A escolha recaiu sobre Mel, de Ian Mc Ewan. Li-o quase todo, mas no fim-de-semana tive de corrigir duas turmas... e agora não sei dizer como termina o livro.
 
Uma das coisas que achei interessante é que, ou me engano muito, ou fui a primeira leitora a requisitá-lo. Fiquei sonhadora. Quando era novinha, li os livros todos lá de casa (mesmo aqueles que, claramente, não eram para a minha idade), os livros dos meus amigos, as bandas desenhadas de uma vizinha, os livros dos meus primos e dos amigos deles, os livros que havia na escola (quase todos relíquias do Estado Novo) e ainda os livros que deixavam trazer da Biblioteca Itinerante Gulbenkian que parava ao lado da matriz da Azurara. Não pensem, porém, que isto é uma crítica. Não é. Quando conto às alunas de Literatura que, nessa época, víamos um ou dois programas de televisão por dia, elas riem-se. Escuso de dizer, por óbvio, que não tínhamos telemóveis, computadores, jogos de consola ou facebook.  Tínhamos muito menos distrações, a pressão escolar, nesse tempo e na minha família, era muito menor, as férias prolongavam-se por três ou quatro meses e também éramos felizes.

Sempre pensei que, se tivesse ainda mais livros, seria hoje uma pessoa mais culta (também me lembro de achar vergonhoso não ter ainda lido os Cem anos de solidão aos vinte e seis anos).
 
Em Mel, há um jovem escritor de vinte e sete anos que  ainda não leu os Cem anos de solidão. No entanto, o livro ocupa-se da educação da jovem protagonista, Serena Frome. Uma educação sentimental, mas também gastronómica, informativa e cultural. Livro sobre livros, Mel é também um livro sobre uma determinada época e sobre a forma como a leitura de jornais abre os horizontes das pessoas - mesmo de jovens ingénuas, como Serena ou o meu eu de vinte e dois anos que decidiu - e cumpriu - dedicar uma parte do salário à aquisição de jornais. Até hoje.

segunda-feira, 6 de maio de 2013

Falar bem e ter maneiras

Um dos meus campos de batalha nas aulas de Português tem a ver com o que, antigamente, se designava por "modinhos". As maneiras de falar e a boa educação não têm boa imprensa, e mesmo eu só pego nestes assuntos com... luvas de pelica.

O problema é que (e eu até podia ser uma verdadeira intelectual e falar-vos do Pierre Bourdieu) isso implica assumir algo desagradável e complicado, que é: as pessoas que falam correctamente e são delicadas (e isso, com honrosas excepções, aprende-se em casa. Tanto em casa de ricos, como em casa de pobres.) têm mais hipóteses. E isto não sucede apenas porque têm mais conhecimentos sociais.
 
Na revista do Público do dia 28 de Abril, onde se trata de (des)emprego e de entrevistas, refere-se: "Com a democratização do ensino, tornou-se mais fácil e mais comum possuir diplomas e conhecimentos do que essas capacidades que «se trazem de casa» (...). Ou seja, como há mais pessoas com habilitações do que postos de trabalho, o sistema encontrou maneira de fazer a selecção através do berço. As chamadas soft skills podem afinal não ser mais do que os sinais de pertença a uma classe social. É assim que funciona."
http://www.empregopelomundo.com/wp-content/uploads/2013/04/entrevista-de-emprego.jpg

A minha visão da escola, já o disse mais do que uma vez e mais do que num sítio, é um tanto utópica. A meu ver, a escola em geral e as aulas de Português em particular constituem lugares onde os alunos que não aprenderam determinadas coisas em casa (terão aprendido outras, igualmente respeitáveis) podem fazê-lo. A questão é se estão dispostos a isso...

Banda desenhada para adultos

 
Eu sei que nem sempre cumpro a minha missão, que consiste em divulgar os livros que há na Biblioteca. Na sexta-feira comprovei isso mesmo, ao constatar que temos Persépolis, o romance gráfico de Marjane Satrapi. Eu tenho-o em livro e em filme e sei-o de cor. E vocês?!